“Sabemos que, em alguns casos, o tratamento de um tumor a nível local pode ser desafiante, quer por existirem tumores de grandes dimensões, quer pela presença de metástases. Assim, o cancro é visto como uma doença complexa”, introduziu o Prof. Doutor Karim Fizazi. “Mas será que podemos recorrer a conceitos simples para lidarmos com essa complexidade?”, questionou. Partindo desta premissa, o orador apresentou dez conceitos “simples” que, na sua perspetiva, devem ser considerados em Oncologia.
- “O cancro da próstata metastático é uma doença óssea”
“A maioria dos homens que morrem por cancro da próstata nunca chega a desenvolver doença extra óssea; o osso é, verdadeiramente, um nicho específico”, explicou o médico. “Poderá esta característica representar uma oportunidade para usar como alvo terapêutico não apenas as células cancerígenas, mas também o microambiente ósseo?”, sugeriu. De facto, a introdução de denosumab, um inibidor do ligando do RANK (RANKL), permitiu melhorar as opções terapêuticas para o tratamento das metástases ósseas em homens com cancro da próstata resistente à castração (Fizazi et al., Lancet 2011). “Este estudo modificou a prática clínica”, frisou o palestrante.
- “O recetor de androgénio é o principal driver oncogénico no cancro da próstata”
“Há oito décadas, Charles Huggins demonstrou que a castração cirúrgica inibia o cancro da próstata [Huggins et al., Ann Surg 1942]”, informou o Prof. Doutor Karim Fizazi. Mais recentemente, os ensaios clínicos LATITUDE (Fizazi et al., NEJM 2017) e ARAMIS (Fizazi et al., NEJM 2019, 2020) comprovaram o benefício, em termos de sobrevivência global (OS), de abiraterona + prednisona e de darolutamida, respetivamente, vs. placebo, usando a via do recetor de androgénio como alvo terapêutico. “Uma vez mais, um conceito simples modificou a prática clínica”, enfatizou o investigador.
- “Quando se identifica um potente driver oncogénico, deve-se atingi-lo com força”
“Em muitos tipos de cancro, as células cancerígenas preferem manter o mesmo mecanismo de ação e repará-lo para sobreviverem, em vez de investirem num mecanismo totalmente novo”, esclareceu o oncologista. Recorrendo uma vez mais ao exemplo do cancro da próstata, o orador mencionou que as mutações no recetor de androgénio podem ser usadas como alvo terapêutico, com benefício para os doentes (Fizazi et al., Lancet 2022; ASCO GU 2022; ESMO 2022).
- “Para prevenir a heterogeneidade e resistência do tumor, é melhor tratá-lo o mais precocemente possível”
Para ilustrar este conceito, o médico comparou os resultados, a nível de benefício de OS, do tratamento com abiraterona, em diferentes contextos de cancro da próstata. Doentes com cancro da próstata resistente à castração metastático tratados com abiraterona apresentaram um benefício de OS de 3,9 meses vs. braço placebo (de Bono et al., NEJM 2011). Por outro lado, “a utilização do mesmo agente farmacológico mais precocemente [doentes com cancro da próstata sensível à castração metastático] resultou num benefício de OS de 2-3 anos [vs. placebo; Fizazi et al., NEJM 2017]”, destacou o palestrante. Finalmente, dados recentes indicam que o tratamento adjuvante com abiraterona em contexto de doença localizada de alto risco poderá ser, segundo o investigador, “curativo” (Attard et al., Lancet 2022).
- “Se, num determinado tipo de cancro, existem duas famílias distintas de agentes farmacológicos, a melhor solução é combiná-las”
A título de exemplo, o Prof. Doutor Karim Fizazi referiu os resultados do ensaio clínico PEACE-1 (Fizazi et al., Lancet 2022). Este estudo demonstrou que, em doentes com cancro da próstata sensível à castração metastático, a combinação da terapêutica de privação androgénica com docetaxel e abiraterona melhorou a OS e a sobrevivência livre de progressão (PFS) radiográfica, com um modesto aumento da toxicidade, vs. doentes que não receberam abiraterona.
- “Não se pode ser sempre bem-sucedido”
“No carcinoma de origem primária desconhecida, tem-se debatido a seguinte questão: devemos procurar o tumor primário para tratarmos os doentes adequadamente ou devemos iniciar quimioterapia empírica para não perdermos tempo?”, expôs o médico. O estudo GEFCAPI 04 revelou que a utilização de um teste molecular seguido de tratamento sistémico de acordo com os resultados não melhorou os outcomes dos doentes com carcinoma de origem primária desconhecida vs. quimioterapia empírica (Fizazi et al., ESMO 2019). “Por difícil que seja, não podemos ter sempre sucesso e devemos aprender com as nossas falhas”, recomendou o palestrante.
- “Num tumor potencialmente curável através de quimioterapia, deve-se selecionar tão cedo quanto possível os doentes que poderão precisar de mais tratamento para atingir a cura”
Esta é, segundo o especialista, uma das conclusões a retirar do estudo GETUG 13, que demostrou que a intensificação precoce da quimioterapia melhora a PFS e reduz o risco de morte vs. standard of care, em doentes com tumores de células germinativas de prognóstico desfavorável. “Não esperem pela progressão”, advertiu.
- “A simplicidade pode nem sempre ser suficiente”
Neste ponto, o Prof. Doutor Karim Fizazi reconheceu que a genómica e a radiómica poderão “dar uma ajuda preciosa aos oncologistas”, de forma a ser possível “tratar melhor os doentes, segundo a sua patologia”.
- “A união faz a força”
“Os resultados que apresentei até agora são fruto do trabalho de milhares de pessoas”, lembrou o investigador, destacando o Consórcio Europeu para o Cancro da Próstata (PEACE), fundado em 2013.
- “A ESMO pode ajudar-vos a ser bem-sucedidos”
Para concluir, o orador recordou aos oncologistas mais jovens que os congressos da ESMO são uma excelente oportunidade para contactarem com “Ciência e Medicina maravilhosas” e estabelecerem colaborações com potencial para ajudarem “milhares de pessoas”.